quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

David Robert Jones / David Bowie




Nos últimos dias anda tudo em alvoroço. Redes sociais. Jornais. Telejornais. Blogues. Instagram. E aqui dentro. Dentro do meu coração. Tem sido complicado. Uns poderão achar isto ridículo. Outros aceitam. Outros ainda esboçam um sorriso cínico. e depois há os outros, os como eu, que andam a sentir na pele.

Dia 11 de Janeiro 2016, 7:15, levanto-me, ainda dorme a casa toda. A minha mãe esteve cá a passar o fim-de-semana e daqui a pouco tem de ir para o aeroporto. Vou a cozinha e vejo-a já pronta a sair, a beber o seu cafezito. Bolas, estamos atrasados. Acordo o marido que ainda um pouco estremunhado se prepara num ápice e chega à cozinha a dançar e a rir, literalmente, para mostrar que já está bem acordado e pronto para mais um dia. O meu marido é assim, um homem bem disposto, sempre pronto, nunca refila. Adoro isso. É maravilhoso. Não posso ir com eles, a Alice ainda dorme e eles já vão apanhar a hora de ponta na Antas. Mal acabo a minha frase ouço o habitual "Mamãããã, a pê!" (entenda-se "Mamã, a chupeta!" a Alice mal acorda atira a chupeta para fora da cama e chama-me. É um truque dela para eu me levantar mais rápido. E funciona.). Vou buscá-la à caminha e vou até à porta. Despeço-me à pressa da minha Mãe. Abraço-a forte e suspiro, mais uma ida. Um dia não terá mais de ir e irá ficar aqui, em Portugal, pertinho de nós. Custam-me cada vez mais estas despedidas. Deve de ser da idade, provavelmente. 

Fecho a porta, ainda com a Alice ao colo, aqueço-lhe o leitinho. Dou-lhe um beijo e aconchego-a no meu regaço para a alimentar. Olho-a apaixonadamente, acaricio-lhe os caracóis de mel. Beijo-lhe a testa. Cheiro-a. Namoro-a. É um ritual só nosso todas as manhãs. Após isso, o furacão desperta e começa pedir uma catrefada de coisas : Panda, Xana toc toc, Pocoyo, Avô Cantigas, músicas do papá L. e de dedinho em riste aponta para mil e uma coisas. Ainda não bebi o meu café, vou num instante à cozinha. Não me sinto acordada enquanto não tenho a minha dose de cafeína. Pego na pulga ao colo e vou buscar o meu telemóvel para me pôr a par das notícias do dia, já que a televisão está ocupada por personagens com vozes patetas e cheio de cores. Notificação no LINE, mensagem do meu irmão, seguido de uma centena de outras notificações WhatsApp (mamãs tagarelas mais lindas). Primeiro o meu irmão, depois facebooks e afins. Abri. Li. O meu coração congelou. Achei que ele estava a brincar. "Mana. O nosso Bowie morreu." Não podia acreditar no que estava a ler. Corri para as redes sociais à procura de uma não resposta. A procura de algo que desejava não ler. O meu feed notícias estava entupido de posts da BLITZ e de amigos a contestar, outros já visivelmente conformados, RIP e mais RIPS (odeio RIPs.). Fui à página oficial, ali não podia ter erro. Ali se houvesse alguma coisa, seria verdade. E estava lá a verdade crua, gélida e inaceitável, a que ninguém quer ler. Morreu. MORREU. NÃO PODE TER MORRIDO. Cancro? Onde? Quando? Não nos disse nada! Vou ao Twitter do filho dele. Está lá a confirmação. Durante uns minutos imagino um plano engenhoso do nosso Ziggy Stardust, em que daqui a umas horas diria que tudo não passou de uma farsa, que foi um plano puramente promocional. Sim, poderia fazer sentido. O disco novo saiu há 2 dias. Porra 2 dias. Não pode morrer assim. 2 dias depois de completar 69 anos e ter posto cá fora uma melancólica mas tão maravilhosa obra. Vem me à mente em relâmpago o videoclipe Lazarus, penso, será? Não. Ninguém morre dessa maneira. Não assim. Só pode ser truque. Mas ele não era de truques. Nunca foi. Será verdade então? Despacho-me, visto-me à pressa, preparo a minha pequenina e levo-a para um lugar bonito, onde estão os seus amiguinhos e as suas adoradas educadoras que lhe darão mais atenção, a que eu não lhe estava a puder dar naquele momento. Após regressar a casa, deixo de lado o trabalho que tenho de fazer. Pode esperar. "Não consigo trabalhar sem tirar isto a limpo"- penso para mim. Pesquiso. Acendo a tv. Falam todos do mesmo. Então é mesmo verdade? Morreu? O meu David. O meu ídolo. O meu amigo. A minha companhia. A voz que me cantava ao ouvido quando ia para o trabalho. A voz que me deu tantas vezes força para atacar dias difíceis. Como é que eu vou fazer agora? Como é possível saber que nunca mais vou ouvir um disco novo? Como posso imaginar que nunca mais haverá outra personagem  nova. Que nunca vi um concerto dele ao vivo e a cores. Dói-me o coração. Dói-me o corpo e falta-me o chão. As lágrimas caem e não consigo segurar. Soluço. Estou a soluçar por uma pessoa que nunca soube quem eu era. Estou a chorar por alguém que me incluía num grupo, nos fãs. Nunca gostei de pertencer a grupos, salvo seja do Sporting ou do meu grupo de mamãs instagram. Pensei que estava a ser parva. Que não podia chorar. Mas as lágrimas continuaram a cair. O meu corpo mostrou-me que ser parva é querer travar o que o meu coração sentia. Perdi um amigo. Um amigo das horas escuras, dos momentos felizes, das sextas-feiras à noite a sós, eu, ele e um copo de bom vinho tinto. Dos domingos de manhã em pijama enquanto tratava das lides da casa. Que me fez sorrir milhões de vezes pela sua genialidade, pela forma como era incrivelmente especial. Especial na forma de estar na vida. Especial na forma de reinventar a música. Especial por conseguir surpreender a cada álbum e continuar a conseguir me arranhar a veia com a sua voz. Especial. Ponto. Viveu mil vidas. Aproveitou tudo o que tinha de aproveitar. Foi ao céu e voltou outras tantas vezes. Saboreou a vida com todas as suas cores. Resta-me a sua obra, eterna, mágica e inspiradora que prometo transmitir às minhas filhas. Prometo deixá-las sorver casa nota e tirarem as suas próprias conclusões. Sentirem profundamente que David Bowie não se ouve, VIVE-SE. Eu perdi um amigo. Um companheiro. Dói-me o coração tanto, tanto, muito mesmo.

Lazarus é o video clipe onde faz uma vénia aos seus fãs. Diz-nos, "Estou doente, estou a morrer, mas vivi como um rei. Vou liberar-me. Vou para o paraíso onde já não irei mais sofrer." Despediu-se de nós a 7 de Dezembro 2015, e nós nem percebemos. Foste uma obra de arte até ao fim. Que orgulho em gostar tanto de ti.  Até sempre, David. 



Ilustração Alexandre Esgaio


4 comentários:

Silent Man disse...

Tu nasceste para isto. Para escrever e maravilhar-nos. E para transmitir emoções.
Gosto de ti.

Beijo meu e um abraço. Aquele...

Anónimo disse...

Minha querida su,as tuas palavras tocaram me o coracao. Compreendo a tua dor ,quando um dos humoristas mais espetaculares de portugal nos deixaram senti a mesma perda de chao, o mesmo vazio .
Querida su, força 😔😢 ele esta no ceu a dar os seus maiores concertos para os famosos que se encontram com ele . hoje ele e mais uma super estrela no ceu. Ele esta la a dar te mais uma musica no coracao ❤❤
Força linda 😍😍
*tixa aqui a comentar

Mãe Su disse...

Meu querido Silent,
Há 5 anos a confortar o meu coração com palavras lindas. Vai um abraço muito apertado de saudades. Em breve estou por aí com a famelga.

Beijo gigante

Mãe Su disse...

Tixa linda,
Obrigada pelas tuas lindas e sinceras palavras. Estás aqui no meu coração. <3

Um beijo meigo